Um outro olhar sobre a antiga nova síndrome do impostor
- Rodolfo Olivieri

- 27 de jul. de 2020
- 4 min de leitura

Gostaria de tecer algumas linhas sobre um tema que anda em alta, seja nos consultórios, nas análises e terapias, nas palestras (ou lives) de coachs e na internet em geral, a chamada síndrome do impostor.
Antes de mais nada, o impostor aparece no dicionário como sendo aquele que “demonstra ou pratica impostura; embusteiro”, ou “se aproveita da credulidade e da ignorância de outrem para ludibriá-lo; mentiroso”. Não menos importante, síndrome é um conjunto de sinais e sintomas de processos patológicos. Ok, então temos conjuntos de sinais de quem supostamente mente, ludibria.
Antes de mais nada é válido ressaltar que tais sinais aparecem com grande frequência no mundo corporativo (empresarial) e acadêmico, nos quais o sujeito se sente enganando os colegas e superiores, supostamente os ludibriando sobre suas competências, virtudes, (consegui por sorte, sem merecimento, indicação) capacidades, e negando suas experiências, cursos, capacidades, talentos, motivações e sofre com o medo recorrente de finalmente ser exposto, descoberto. Tal situação gera angústias diversas e ansiedades.
Apesar da “popularidade” e da ampla divulgação (por vezes não qualificada) e procura do tema na internet, a síndrome não é (ainda) reconhecida oficialmente pelos manuais psiquiátricos, tampouco encontrei muitos materiais psicanalíticos abordando o tema online. Bom, então vamos ao que interessa.
Compreendo que se trata de uma manifestação neurótica, na verdade um sintoma já conhecido da psicanálise, tratado nos textos clássicos de Freud, mas que agora aparece nessa nova configuração: os problemas de conseguir, os problemas do desejo realizado, “isso não é pra mim”, “não dou conta”. Ou seja, manifestações inconscientes pela culpa de se sentir superando os pais.
É relevante considerar que, grosso modo, essa síndrome afeta jovens adultos com boas condições profissionais, econômicas e ou intelectuais. Pessoas (normalmente entre 18, 20 anos até os 35, 40 anos) com cargos relevantes, salários razoáveis, que receberam alguma promoção ou destaque acadêmico, ou que passaram em um vestibular concorrido, em uma boa universidade, ou que foram aceitos em tal programa ou por tal orientador. Ou seja, sujeitos bem sucedidos que se julgam uma fraude.
Freud escreveu sobre esse assunto no texto “arruinados pelo êxito”, mas que devido às demandas da época fala mais sobre pacientes que não conseguem se beneficiar do tratamento psicanalítico, piorando sempre que o tratamento avança positivamente. Neste caso a reação terapêutica negativa supostamente impediria a análise, a tornando impossível. Vale ressaltar que essa categoria de manifestação ainda hoje pode ser vista no consultório.

No texto citado Freud descreve que alguns pacientes adoecem precisamente no momento em que “um desejo profundamente enraizado e de há muito alimentado atinge a realização.” Há uma incapacidade de tolerar a felicidade. Aos curiosos deixo a dica de pesquisa do caso do "homem dos miolos frescos” de Ernest Kris estudado por Lacan, no qual o analisante tinha absoluta certeza sobre sua condição de plagiador. Devido à complexidade de análise do caso não darei mais detalhes aqui neste momento, fica para outro texto.
À primeira vista pode parecer contra intuitivo o ego apenas dar conta de tolerar um desejo inofensivo e que só existe na fantasia, com a realização distante ou impossibilitada, mas é observável como um processo do âmbito da neurose, tanto da obsessão quanto da histeria, ainda que pode motivos diferentes, “que o ego se defenderá ardentemente contra esse desejo tão logo este se aproxime da realização e ameaça tornar-se uma realidade.”. Como apontaria Lacan mais tarde: “a pessoa desperta do sonho justamente no momento em que poderia deixar escapar a verdade, de sorte que só acordamos para continuar sonhando, sonhando no real, ou, para ser mais exato, na realidade". Acordamos para continuar sonhando.

A frustração e o êxito se encontram intimamente relacionados ao complexo de Édipo, ao pai, à mãe, à lei, à linguagem, local onde se localiza esse sentimento de culpa geral. Culpa por supostamente ter ferido ou magoado os pais triunfamos sobre eles.
No conhecido “Mal-estar na civilização” Freud pontua: Empregamos falsos padrões de avaliação, buscamos poder, sucesso e riqueza, admiramos isso nos outros. Abro parêntese para citar como exemplo o cínico lançamento espacial de Elon musk nas cifras de algumas centenas de milhões de dólares em meio à uma pandemia, ratificado e acompanhado pessoalmente pelo presidente dos Estados Unidos, fecha parêntese. Admiramos isso nos outros, subestimando os outros valores da vida.
A psicanálise vai dizer o seguinte: a civilização precisa inibir sua agressividade, com isso a internalizamos e a enviamos de volta para o seu lugar de origem: o próprio ego. Assumida como superego faz seu ataque vigoroso, como se fosse destinado à outrem, à essa tensão damos o nome de culpa. Vale ressaltar que o culpado não precisa realmente fazer uma coisa má, apenas desejar fazê-la, eis os dilemas do psiquismo.
A angústia resultante deste processo não é pouca, vivenciada como desamparo e medo pela perda de amor. Esse medo já aparece na infância com pais ou cuidadores e prossegue até a vida adulta, com o deslocamento do lugar dos pais pelos sujeitos da sociedade. “O superego atormenta o ego pecador com o mesmo sentimento de ansiedade e fica à espera de oportunidades para fazê-lo ser punido pelo mundo externo.”
Nos quadros mais obsessivos o sujeito é ainda mais severo e desconfiado quanto à sua “santidade” (este termo se torna pertinente se considerarmos que Freud considerava a religião uma “neurose obsessiva universal” e que Lacan usava o termo “mito individual” para se referir ao obsessivo) atenuando a autocensura

Para o superego, instância psíquica “responsável” pela lei, pela moralidade e pela ordem, não basta a renúncia instintiva, ela não garante a certeza do desejável amor. Assim, a ser completada a trajetória inconsciente, a perda de amor se converte em infelicidade interna, sentimento de culpa.
Eis o motivo pelo qual nomeei o texto com “antiga nova síndrome”. Tememos a perda do amor dos pais desde sempre, somos afetados pela culpa ao superá-los, é como se uma ordem se rompesse, como se uma lei fosse quebrada, desrespeitada, e com o pai superado quem olhará por mim? Bom, aqui poderíamos iniciar uma nova análise. Como diz Jorge Forbes, não importa quanto o filho ganha, é o pai quem paga a pizza no Domingo.
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