Quando algo falta em mim
- Rodolfo Olivieri

- 5 de jul. de 2020
- 3 min de leitura

Quando se fala em vida afetiva, sentimentos, emoções, paixões, vivências e experiências que nos movem e nos tocam profundamente, a angústia invariavelmente vem à tona.
Ela nos toca de forma desprazerosa, incômoda, promovendo um aspecto de vazio, de falta (ainda que não se saiba o que falta), de desconforto. É difícil defini-la, Lacan genialmente pontuava: a “horrível incerteza”, ou ainda “aquilo que não engana”.

"aquilo que não engana"
Para abrir um pouco mais a discussão sobre esse tema, é preciso ressaltar que o termo “angústia” anda fora de moda. Atualmente se ouve nas conversas e nos consultórios sobre pânico, ansiedade, tristeza, depressão, ainda que as vezes se esteja falando da mesma coisa.
Bom, o fato é que ela pode te deixar tanto meio up quanto meio down, e sintomas podem estar presentes.
Freud, quando começou a pensar sobre a angústia (na época nem recebia esse nome), a definiu como um reflexo da mecânica e estressante vida urbana do europeu do século 19 (mal sabia ele no que essa bagaça ia virar). Também problematizou sobre a falta de sexo e o excesso de masturbação como possíveis produtores de angústia. Ele imaginou que se tratava de uma espécie de conversão de libido não satisfeita, ou seja, alguma pulsão que surgia no corpo e ficava sem destino, sem conexão, resultando em uma vivência pouco agradável.
Com o avanço da psicanálise, fundou-se a categoria “neurose de angústia”, que poderia aparecer tanto de forma aguda quanto crônica (basicamente o que hoje se chama de transtorno de pânico e transtorno de ansiedade generalizada, respectivamente). A angústia passa a ser vista como algo inerente ao ser humano, um afeto adaptativo, uma espécie de alerta de perigo enviado pelo psiquismo quando um perigo considerado maior e ou insuportável é constatado, desejado ou fantasiado.
Ou seja, a angústia deve ser considerada algo “natural”, fundamental e constituinte da nossa subjetividade. Ela não desaparecerá, mesmo com nossos esforços inúteis de encher nossas casas de móveis e tranqueiras ou nossas redes sociais de fotos sorridentes na praia, no alto de montanhas, em Machu Picchu, em Paris ou na lua.

O fato é que lidar com o vazio, com o desconhecido vindo de dentro é doloroso, e a angústia, por excelência, não encontra objeto externo, permanecendo no eu. Tal afeto, democrático como é, não é portanto exclusivo à psicopatologia (transtornos ou doenças mentais), pelo contrário, é algo constituinte do sujeito, mesmo os ditos “saudáveis” ou “normais”.
Ela sempre nos remete à questão da falta, da incompletude, do fim. A maledeta musiquinha do fantástico poderia portanto ser considerada a trilha sonora da angústia, nos avisando que o fim de semana se foi, e as alegrias que planejamos e tivemos (ou não) ficaram no passado, e amanhã um novo dia deve ser encarado.

"meu deus, passou voando"
Mas calma lá que nem tudo está perdido. Ainda angustiado é possível se organizar, repensar tal funcionamento de forma lúcida. A terapia aqui tem papel importante, possibilitando o contato com as fantasias, com as defesas, propiciando insights e elaborações.
Não temos todos os espaços preenchidos, isso nunca acontecerá. Mais do que isso, é a interdição e a falta que possibilita o desejo, só assim sentimos motivação para seguir. Nesse cenário, a suposta completude se tornaria uma "receita de sucesso” para se manter vazio.
Fernando Pessoa na pele de Álvaro de Campos dizia:

Esta velha angústia, Esta angústia que trago há séculos em mim Transbordou da vasilha, Em lágrimas, em grandes imaginações, Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror, Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
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