Psicanálise só fala de infância?
- Rodolfo Olivieri

- 5 de jul. de 2020
- 2 min de leitura

A psicanálise ocupa um lugar de destaque no imaginário coletivo, nas fantasias e até na linguagem. “Freud explica”, “recalcada”, “narcisista” são termos ouvidos e falados comumente, ainda que em contextos que não exatamente sejam alinhados com o que a teoria nos afirma.

"As traumáticas aventuras do filho do Freud"
Neste conjunto de ideias sobre a atuação do psicanalista, mais propriamente dentro do contexto clínico, está a ideia de que todo o processo terapêutico que envolve a psicanálise, todas conversar e intervenções, serão focadas exclusivamente na infância, sem que o presente seja considerado. Mas isso é realmente verdade?
Não, não é. Mas antes é válido pensarmos os porquês da investigação desta etapa tão importante da vida.

Ivanise Fontes, em seu livro “A descoberta de si mesmo” aponta, pautada principalmente nos psicanalistas clássicos Freud, Klein e Winnicott, que há uma diferença importante entre o nascimento físico e o nascimento psíquico. Estes não acontecem ao mesmo tempo, e assim como há uma gestação fisiológica do bebê, há também uma “gestação psíquica”, processo este que acontece especialmente na primeira infância e que depende plenamente do sujeito responsável pela funções de maternagem do bebê (não necessariamente da mãe).
Neste período, o bebê que delirantemente julga ser o todo, não a noção "eu sou uma coisa, o mundo é outra". Neste momento, o infante está sujeito a sofrer uma série de angústias que ficarão registradas em seu psiquismo, refletindo em seu futuro de forma mais sofisticada, mas não menos dolorosa.
No setting terapêutico, o sujeito tem a oportunidade de revisitar o período do desenvolvimento, algo que chamamos de “regressão na transferência”, e rever a infância com os olhos do adulto, talvez de forma mais madura, e com um ego melhor estabelecido. ou seja, como aponta Fontes, “o desamparo é revivido com auto estima”, pois esse também é meu meu lado conhecido, lado que nego. É sempre importante ressaltar: “o medo não é do terrível, mas do desconhecido”.
Winnicott, genial psicanalista inglês, chega a dizer que o sujeito não vai “relembrar” o passado, pois não necessariamente havia um eu integrado lá. Nesse caso a pessoa o “vive”, na transferência, pela primeira vez, de forma segura.

O passado sempre revisita o presente, e o que acontece na infância, para o bem e para o mal, não fica na infância. Eliminar comportamentos que prejudicam a vida cotidiana por vezes é importante, mas em alguns casos pode ter o mesmo sentido que colocar um ventilador na porta de um quarto pegando fogo com o propósito de não perceber a fumaça, P. Fédida, psicanalista Francês, diz que “deprimidos só se curam se entrar em contato com seus mortos”
A ideia de revisitar o passado é poder dar voz à esses mortos simbólicos: pessoas, lugares, afetos, lembranças, emoções, traumas, medos. Perceber o passado que influencia o presente. No entanto, o presente tem sim lugar na terapia psicanalítica. Costumo dizer que para limpar um quarto de despensa primeiro é preciso tirar o entulho da porta. Ou, como aponta C. Dunker, falando de Freud, enquanto não se recorda do passado o repete sem sentido. Falar é reviver o passado, no presente, projetando o futuro.
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