O desejo e o mito de Sísifo
- Rodolfo Olivieri
- 4 de jul. de 2020
- 3 min de leitura

"Trabalho de Sísifo”, já ouviu essa expressão? Ela geralmente é utilizada para se referir à uma atividade que não rende, que não progride. Sabe quem foi Sísifo? Não? Nunca ouviu a expressão? Então segue um resuminho muito resumido.
Filho de Éolo, o Deus dos ventos, Sísifo ficou conhecido como o mestre dos truques, e a fama é justa. Entre suas façanhas está engravidar Anticleia por pura vingança (pois seu pai havia lhe roubado algumas ovelhas), chantagear Zeus após o ver raptar Egina, filha de Asopo, e enganar Tânatos, o Deus da morte, atiçando sua vaidade e o prendendo em Hades (mundo subterrâneo), local que ele (Sísifo) deveria ficar preso por “medir forças” com o Deus dos Deuses.
Obviamente Ares, Deus da guerra, não ficou nada feliz com o fato de ninguém mais morrer (pois Tânatos estava preso), e ao contar à Zeus sobre as artimanhas do ardiloso Sísifo, o Deus do Olimpo o condena a novamente ser levado para Hades e dessa vez o castigo é pior, rolar uma grande pedra de mármore, com suas próprias mãos, até o cume de uma montanha e ver que ela sempre rolará morro abaixo, sendo preciso recomeçar o trabalho todos os dias. Eternamente.
O mito é muito interessante e possui muito mais detalhes, vale a googada. A pergunta agora é, o que isso tem a ver com desejo? Calma que chegamos lá.
A psicanálise nos aponta o fato que o ser humano é um ser desejante por excelência, que têm instintos, e que desde os primórdios busca realiza-los. A diferença é que após o advento da linguagem, esse instinto passou a ser nomeado, ter um alvo.
Assim como diz o psicanalista Ivan Capelatto, desejo é a violência que, com o uso da cultura (sempre opressora), cometemos sob o instinto humano. E que violência é essa? O coisificar, o representar através da linguagem, e com isso o tornar inacessível.
Inacessível? Sim. Desejo nada mais é do que a representação das pulsões e dos instintos que faz com que passemos, a partir da linguagem, a procurar “o objeto”, que resolverá e terminará com a nossa “falta”. Vale ressaltar que “objeto” está com aspas por se tratar de um conceito (que valeria mais um artigo para ser explicado), basicamente se trata de representações psíquicas, coisas que estão fora de nós.
O problema é que a angústia sentida pela falta deste “objeto” é eterna e infinita, na verdade é o que nos define como seres humanos. Vivemos angustiados por sentirmos que algo primordial, fundamental e importantíssimo nos falta. Sabe aquele sentimento de vazio, que achamos que vamos preencher quando conseguirmos aquele carro, aquele emprego, aquela mulher, aquele homem? Então, o próprio.
Elegemos coisas, pessoas, valores e entidades (igreja, estado, partidos, filosofias) para tentar suprir essa falta, tapar essa angústia. Naturalmente esse método não funciona. Lacan já nos dizia que nosso maior desejo é ser desejado, e quantos problemas isso nos causa....

O budismo, há tempos já nos alerta para o fato que o desejo funciona de forma pendular, pois sempre estamos desejando coisas, e quando as alcançamos, elas deixam de ser desejos e passam a ser realidade. E com isso paramos de desejar? Claro que não.Passamos a vida buscando alcançar nossos desejos, e essa busca sempre se renova.

Bom, agora é a hora que você me pergunta: que diabos Sísifo tem a ver com isso tudo?
Nosso astuto amigo desejava algo muito singelo: a vida eterna, ou seja, ser um Deus. Seu castigo, ficar eternamente carregando uma rocha montanha acima, nos faz refletir sobre o fato de que alguns de nossos desejos nos mobilizam de forma extraordinária. Por vezes nos faz aguentar por anos a fio um trabalho insalubre, uma relação infrutífera. Quantas rochas carregando diariamente? Mesmo sabendo que no fim de dia ela rolará morro abaixo?
Há uma saída para isso? Aparentemente sim. É fácil chegar nessa saída? Obviamente não.
O fato é que as vezes precisamos mudar o foco. Basicamente parar de olhar para a falta e começar a apreciar o que já está lá, nossos relacionamentos, nossa saúde, nossos bens materiais, nossas conquistas, nossas conexões sociais. Que tal darmos uma olhada no que já temos, e sermos gratos por isso? Que tal tentarmos desejar de diversas formas o mesmo objeto? esteticamente, intelectualmente, sentimentalmente. Que tal tentarmos consertar? relações, amizades, roupas, celulares.
Finalmente, que tal apreciarmos o que comemos, os sabores, os pequenos prazeres, o delicioso banho quente, como dizia Rubem Alves. Que tal?
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